A BANALIDADE DO MAL E AS REDES SOCIAIS
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- 12 de out. de 2018
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A banalidade do mal é um termo criado pela teórica politica alemã Hannah Arendt. Este tema foi utilizado pela primeira vez em seu livro Eichmann em Jerusalém: um relato da banalidade do mal. Arendt foi contratada pelo jornal americano New York Times para fazer uma narrativa sobre o julgamento que estava ocorrendo em Jerusalém de Eichmann, entretanto, sua coluna acabou se transformando em um livro.
O livro narra o julgamento do alemão nazista Adolf Eichmann, um burocrata que nunca chegou matar alguém diretamente, mas foi o responsável pela operação conhecida como A Solução Final (uma das maiores matanças conhecida pelo o homem). Ou seja, apesar de nunca ter matado nenhum judeu, ele foi responsável pela a morte de centenas deles.
Durante seu julgamento Eichmann se defendeu dizendo que não era o monstro que eles diziam, que era inocente no sentido da acusação, pois só estava seguindo ordem. Muitos psicólogos, e a própria Hannah Arendt, concluíram que ele não tinha problema de ordem psíquica, que era uma pessoa normal com valores condizentes aos bons homens de família da época, além de não possuir histórico ou traços antissemita. Além disso, Arendt também o descreve como uma pessoa sem profundidade e nenhum traço de perversidade, ou seja, era uma pessoa normal. Você deve estar se perguntando: “Mas como um homem normal foi capa de cometer atos monstruosos?”
Bom, para responder sua pergunta podemos utilizar como exemplo o filme Star Wars. Você deve se lembrar do Stormtrooper, os soldados do Império. Bom, ele pode ser considerado o responsável por toda a maldade da galáxia? A resposta é não.
Deste ponto, para compreender a questão do mal, Arendt retoma a ideia de Kant sobre o que é o Mal, mas não o utilizando como uma categoria metafísica, ontológica ou da natureza, mas como uma categoria político e histórico. Ou seja, ela defende que o mal é produzido pelo homem e se manifesta onde encontra um espaço para tal e tudo depende do seu contexto histórico.
Eichmann durante todo seu julgamento repetia o mesmo discurso: só estava seguindo ordem, o que é considerado mal hoje durante o regime nazista era considerado algo correto, que seguia o Estado, a lei, um líder e a ordem estabelecida. Ou seja, o ato que atualmente consideramos mal era considerado por grande parte da população alemã como algo rotineiro, administrativo, do Estado, era ser alguém correto (apesar de muitas pessoas fora do país dizerem que não) que não pensavam por si próprio, apenas seguiam ordem.
Em seu julgamento ficou claro que Eichmann era alguém que obedecia ordem e aprovava as hierarquias, mas também era uma pessoa incapaz de pensar por si mesmo, ao sempre utilizar frases prontas, clichês e pensamento comum. Arendt percebeu que ele era um homem comum e superficial e por causa dessa superficialidade ele não era capaz de se interrogar, o que o permitia seguir a voz do sistema totalitarista. Vale ressaltar que Hannah Arendt irá compreender a ideia de pensar como a capacidade de conversar consigo mesmo e se interrogar, ou seja, ter um diálogo socrático consigo próprio (isso é certo ou errado? Devo fazer isso ou não?), algo fundamental para que o individuo exercer sua liberdade. Além disso, Hannah Arendt alerta que uma sociedade que produz pessoas que não pensam, não questionam e apenas seguem ordem superiores corre o risco de cair nas mãos de um regime totalitário.
Outro aspecto que fico claro durante o seu julgamento é que Eichmann era obcecado pela ascensão social e por ser reconhecido. Ele deixou muito claro que entrou para o exército SS para que pudesse ter ascensão na carreira e uma vida confortável e não necessariamente porque queria combater os judeus e outras minorias perseguidas. Ou seja, o mal praticado por ele era o mal banal, o mal rotineiro, mal administrativo, um mal que não possuía profundidade (ao contrário do bem que necessita de uma profundidade, de um dialogo consigo mesmo) ou dimensão demoníaca.
Desta forma, a ideia de banalidade do mal nada mais é do que a ideia de que as pessoas comuns acabam vendo o mal como algo normal, como algo que realizamos por dever ou por simplesmente por seguir uma ideologia fanática.
Um perigo que hoje se torna tragicamente atual com a disseminação, em grande parte pelas redes sociais (consideradas atualmente como a maior ferramenta de interação humana), de ideologias, ódio e discriminação da minoria, onde as pessoas acabam criando mundos próprios e reproduzindo conteúdo sem crítica alguma. Onde a massa abre mão de um pensamento próprio, negando qualquer responsabilidade por seus atos e palavras, onde a capacidade de pensar individualmente torna-se quase que impossível.
As redes sociais lotadas de informações fraturadas consequentemente acabam gerando um sujeito com uma consciência fragmentada, criando sempre a necessidade do indivíduo emitir sua opinião, onde muitas vezes acabam colocando em seu mural um pensamento de ódio pelo outro, criando um discurso massivo que acaba gerando violência, mas que muitas vezes é tida como algo normal pelos seus seguidores. Ou seja, a banalidade do mal continua atual e perigosa para as democracias em momento de crise.
Para entender um pouco mais sobre o episódio mencionado:
Filmes:
O Labirinto de mentira: https://www.youtube.com/watch?v=TR3UwrlwPvw
Operação Final (disponível Netflix): https://www.youtube.com/watch?v=G7V1O922Efs
Hannah Arendt- Ideias que chocaram o mundo ( disponível Netflix): https://www.youtube.com/watch?v=rGV2fkJuzms
Livro:
ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal.
Isadora Mutarelli
Doutoranda em História
Universidade do Porto
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